20130122

O Quilombo do Camburi.



Paraia de Camburi. No Início da ocupação " Fazenda Cambory".



 Camburi é uma praia do litoral de São Paulo que fica à aproximadamente 50 Km ao norte de Ubatuba no Km 1 da Estrada Rio- Santos. Saindo desta rodovia ainda é preciso descer aproximadamente 3 Km de estrada de terra , com alguns pequenos trechos de "asfalto",  até alcançar a praia. Boa parte dos moradores são nativos do lugar. No início da sua ocupação Camburi na verdade foi uma fazenda igual a tantas outras dos séculos XVIII e XIX, decadente e abandonada, e dessa forma passou a ser ocupada por negros fugitivos vindos de algumas fazendas de Paraty. Logo outros escravos fugidos de São Paulo também ocuparam a área . Por muito tempo a comunidade conseguiu viver isolada mantendo-se com a agricultura de subsistência e com a pesca, mas em meados de século XVIII o local passou a ser alvo de vários processos de grilagem. Os negros foram explusos do lugar e se deslocaram para as áreas mais íngremes do território, e lá seus descendentes vivem até hoje. Camburi faz parte do Parque Estadual da Serra do Mar/Núcleo Picinguaba. Assim que o Parque foi instituido em 1977, os moradores sofreram restrições na produção agrícola e no extrativismo local. Para sobreviver, muitos dos costumes da comunidade remanescente de escravos se perderam, entre elas a construção de canoas. Sem poder retirar a madeira da floresta nativa, muitos se tornaram pescadores de terceiros.



Construção de canoas não fazem mais parte da cultura da comunidade Caiçara e Quilombola  de Camburi.

A ponte foi uma reivindicação da Comunidade. Antes a travessia era feita dentro do rio, um risco para idosos e crianças.


Em 2005 a energia elétrica chega na comunidade.



Casa construida de taipa , segundo os costumes dos escravos.


Natureza viva e exuberante da serra de Camburi.

 A luta do povo Quilombola do Camburi por reconhecimento e sobrevivência é diária. Desde que comecei  a frequentar o local, há mais de uma década, percebo que mudanças positivas aconteceram no local. Em 2007 decidi que a Comunidade Quilombola seria meu tema no trabalho de conclusão da Faculdade de Jornalismo.Lembro-me muito bem de que os moradores da praia, toda vez que ensinavam para um turista o caminho para ir até as cachoeiras diziam que era preciso passar pela favela. Para mim a explicação foi a mesma. Exitei por algum tempo, até que um dia decidi seguir o caminho indicado guiada por moradores da praia. Para chegar até lá subi morro e mais morro, até a respiração ficar ofegante. O acesso era e continua até hoje difícil, muito íngreme, barrancos escorregadios. Para compensar, paradas para contemplar a natureza exuberante com registro fotográfico de bromélias no caminho e no topo das árvores. No meio da mata começaram a surgir moradores do lugar. Homens, mulheres e crianças cruzavam nossa trilha e andavam com tal rapides e equilíbrio de dar inveja a qualquer turista urbano. Alguns nos alcançavam e nos ultrapassavam como se estivessem andando em uma estrada plana, sem aparentar qualquer esforço para puxar o ar para dentro dos pulmões. Eram negros de pés descalços, alguns trazendo pequenas sacolas de plástico na mão, do feijão que conseguiam comprar com a venda do artesanato que eles próprios produziam ou com o trabalho na pesca para os caiçaras. De repente avistei as primeras casas, a maioria feita de pau a pique, algumas cobertas de palha, outra com telha. Várias casinhas desse tipo, distantes umas das outras. Então entendi, aquela não era uma favela, ao menos não nos moldes que eu conhecia no aglomerado urbano. Aquele era um Quilombo, meu Deus!

Titularização da terra- Há anos os remanescentes de escravos que vivem no Camburi lutam pela regularização de suas terras. O grupo é organizado e para isso formaram uma associação. Em 2005 a primeira vitória veio com o reconhecimento da comunidade como sendo Quilombola, e com seu território devidamente delimitado, mas para receber a titularização o Quilombo precisa deixar de pertencer ao Parque Estadual da Serra do Mar, uma nova delimitação precisa ser feita de modo que exclua a área do Quilombo, e ainda há o problema de desapropriação das propriedades particulares incidentes no local. Enquanto nada acontece a comunidade tem se beneficiado com alguns projetos sociais que ajudam a melhorar a vida no Quilombo. No próximo post vou contar o trabalho de quatro moças Australianas que estão construindo uma casa ecológica para o Alcides, antigo artesão Quilombola do Camburi.